Muitos já devem ter conhecimento que as obras, serviços, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública com terceiros, deverão ser precedidos de licitação pública. Entretanto, alguns podem não saber que o próprio texto constitucional prevê que em algumas situações excepcionais previamente autorizadas em lei essa obrigatoriedade poderá ser relativizada, autorizando-se a contratação direta.
Nunca é demais lembrar que a licitação pública consiste em um procedimento administrativo e tem como principal função selecionar a proposta de contratação mais vantajosa para a Administração Pública, além de promover o desenvolvimento nacional sustentável e garantir a observância ao princípio constitucional da isonomia.
Além dos citados acima, a Nova Lei de Licitações nos ensina, em seu art.11º, que todo procedimento licitatório se subordina à diversos outros princípios, como o da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo, bem como daqueles que lhes são correlatos.
De toda forma, podemos constatar que a licitação não se destina unicamente a selecionar a proposta que apresente o melhor custo-benefício (onde a maior vantagem representa o menor custo e o maior benefício para a Administração Pública). Isto porque, conforme dito anteriormente, o procedimento licitatório deverá fomentar o desenvolvimento nacional sustentável, onde o crescimento econômico deverá ser orientado pela preservação do meio ambiente.
Portanto, “a licitação deve ser estruturada de modo a promover o crescimento econômico nacional em termos compatíveis com a proteção ao meio ambiente”, conforme ensina o jurista Marçal Justen Filho [1].
Hipóteses de Contratações Diretas
Decorrida essa etapa introdutória, passemos a identificar quais são as duas categorias de contratação direta autorizadas por lei, para após, abordarmos a “emergência fabricada” propriamente dita.
Desta forma, podemos observar que as hipóteses estão agrupadas em duas categorias, quais sejam, as inexigibilidades e as dispensas de licitação.
A diferença elementar entre as duas consiste no fato de que, na inexigibilidade, não há possibilidade de competição, haja vista existir um único objeto disponível no mercado ou uma única pessoal que atenda às necessidades da Administração Pública, tornando-se assim inviável a licitação. Já na dispensa de licitação, há possibilidade de competição que legitime a licitação, mas o legislador permite que em determinadas situações a realização do certame licitatório seja facultado, haja vista a competência discricionária da Administração Pública [2].
Isto porque, em algumas situações a demora na conclusão das etapas do procedimento licitatório mostra-se incompatível com a urgência da contratação, e é neste contexto que surge a chamada “emergência fabricada”, também conhecida como “emergência provocada”, que deriva da contratação direta por emergência, prevista como umas das hipóteses de dispensa de licitação enumeradas no art. 75, da Nova Lei Geral de Licitações.
A dispensa de licitação por emergência decorre do inciso VIII, do aludido artigo, e prevê que esta ficará caracterizada quando necessitar urgência no atendimento de situações que possam ocasionar prejuízos ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares.
Além disso, essa regra só vale para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 1 ano, pois caso contrário, torna-se obrigatória a realização do procedimento licitatório. De todo modo, o prazo deverá ser contado da ocorrência da emergência, sendo vedada a prorrogação contratual.
Daí decorre a chamada “emergência fabricada”, entendida pela doutrina e pela jurisprudência como sendo a situação em que a Administração Pública, por desídia ou intenção deliberada do gestor/administrador público, deixa de adotar tempestivamente as providências necessárias à realização do procedimento licitatório previsível, gerando assim uma extrema necessidade de contratação. Nesses casos, as contratações diretas são fundamentadas com base no já citado art. 75, inciso VIII, da Nova Lei de Licitações.
Em relação ao tema, constata-se que a doutrina majoritária vinha, até o advento da Nova Lei, se posicionando no sentido de ser possível a contratação direta mesmo nesses casos de desídia ou inércia do administrador público.
Do mesmo modo, a Advocacia-Geral da União – AGU (através da Orientação Normativa nº 11/2009) e a jurisprudência do Tribunal de Contas da União – TCU, sinalizavam mudança em seu entendimento a partir do advento do Acórdão nº 1.876, de 12 de setembro de 2007, passando a admitir a realização da contratação emergencial mesmo diante de fundada falta de planejamento, desídia ou má gestão dos recursos públicos, haja vista a necessidade de atendimento aos interesses da coletividade (interesses públicos), pois caso contrário toda a sociedade estaria sendo punida pela falha do administrador.
De toda forma, tanto a Advocacia-Geral da União quanto o Tribunal de Contas da União e a doutrina majoritária já se mostravam categóricos em afirmar que, independentemente de entenderem pela possibilidade de realização de contratação direta nos casos de “emergência fabricada”, o administrador que deixar de adotar as medidas necessárias à realização do processo licitatório em momento oportuno, seja por desídia ou por má-fé, estará sujeito à responsabilização pela sua inércia (seja culposa ou dolosa).
A responsabilidade solidária prevista na Nova Lei de Licitações
Dito isto, passemos a analisar a responsabilidade solidária prevista na Nova Lei de Licitações – Lei nº 14.133/2021, que veio para instituir novas normas para licitações e contratos da Administração Pública e revogar a Lei Geral de Licitações – Lei nº 8.666/1993, assim como a Lei do Pregão – Lei nº 10.520/2002 e os artigos que tratam do Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC, contidos no capítulo I, da Lei nº 12.462/2011.
Pela análise do art. 73 da lei, podemos observar que há previsão de responsabilização não apenas para o agente público responsável pela contratação direta indevida, mas também para aquele foi contratado de forma imprópria.
Insta salientar que a antiga Lei Geral de Licitações já previa em seu art. 25, §2º, responsabilização solidária de fornecedores ou prestadores de serviços em conjunto com o agente público responsável pelos danos causados à Fazenda Pública, porém apenas nos casos de dispensas e inexigibilidades onde se comprovem superfaturamento.
Por seu turno, a Nova Lei de Licitações – Lei nº 14.133/2021 o faz de maneira mais abrangente, pois, como visto acima, estabelece que responderão solidariamente pelos danos causados ao erário, o contratado e o agente público responsável, sempre que as contrações diretas indevidas forem praticadas com dolo, fraude ou erro grosseiro, sem prejuízo de outras sanções legais cabíveis.
Assim, podemos concluir que, na atualidade, o entendimento majoritário da doutrina e da jurisprudência vinha sendo no sentido de anuir com a realização da contratação direta mesmo nos casos de “emergência fabricada”, haja vista a necessidade de atendimento ao interesse público, pois de forma diversa, toda a sociedade estaria sendo prejudicada pelos atos do gestor público.
A partir da entrada em vigor da Nova Lei de Licitações – Lei nº 14.133/2021, não há falar na mesma leniência. É dizer, sempre que o gestor deixar de adotar tempestivamente as providências necessárias à realização da licitação previsível, deverá responder, solidariamente com o contratado, pelos danos causados ao erário em decorrência de contratações diretas indevidas, realizadas com dolo, fraude ou erro grosseiro.
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[1]FILHO, Marçal Justen. Curso de Direito Administrativo.12 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.[2]DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo.29 ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
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Sobre Thiago Henrique Nielsen
É coordenador e consultor em Compliance da Studio Estratégia – Governança, Riscos e Compliance, formado em Direito pela Universidade de Vila Velha/ES e especialista em Compliance, Lei Anticorrupção e Controle da Administração Pública pela Faculdade de Direito de Vitória – FDV.
Email: thiago@studioestrategia.com.br
Sobre Roberta Volpato Hanoff
É CEO e Fundadora da Studio Estratégia – Governança, Riscos e Compliance, graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, especialista em Direito Empresarial com ênfase em Recuperação Judicial, Falência e Administração de Crises pela FGV/Rio, CPC-A® (Anti-Corruption Compliance Certified Expert) e Auditora Líder para as Normas ISO 19600:2014 e ISO 37001:2016 (Sistemas de Gestão de Compliance e Antissuborno).
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