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Assédio Sexual no Trabalho e Compliance – Como tornar um Canal de Denúncias seguro a reportes?

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canal de denúncias e assédio sexual

Durante auditorias, consultorias ou treinamentos de Compliance, sempre surgem dúvidas a respeito do uso de canais de denúncia para relatar situações de assédio moral e assédio sexual no trabalho.

A inquietação provocada pela temática é absolutamente compreensível. Denunciar um assediador significa, na maioria das vezes e na prática, acusar um superior hierárquico – ou seja, alguém que tem em suas mãos o poder de decidir o futuro de um contrato de trabalho.

Independentemente de os fatos relatados pela vítima serem confirmados ou não, uma denúncia, quando objeto de investigação mal conduzida, traz consigo o risco da retaliação – mais especificamente, o da demissão.

Nesse sentido, havendo dúvidas sobre como proceder – dada a inexistência de um canal de reportes dedicado, ou, ainda, a insegurança de como os fatos narrados serão recebidos e tratados – a maciça maioria das vítimas, notadamente as de assédio sexual no trabalho, ainda preferem o silêncio.

Essa realidade é por demais lamentável e faz com que todos, em curto ou longo prazo, saiam perdendo. Assim, sob a perspectiva do colaborador, esvaem-se a motivação para o exercício das funções, a confiabilidade nas lideranças e o comprometimento com os valores da empresa. Já para a alta administração da empresa, além dos reflexos da perda motivacional e de credibilidade das equipes, estocam-se esqueletos perigosos no armário que, quando menos se esperar, se transformam em ações penais e trabalhistas individuais ou coletivas, estas movidas pelo Ministério Público do Trabalho e acompanhadas de multas gigantescas.

Diariamente acompanhamos decisões no Poder Judiciário, condenando empresas ao pagamento de indenizações por danos morais, decorrentes de assédio moral e sexual. Estas indenizações, muito além dos prejuízos financeiros, atingem diretamente a imagem e a reputação das empresas.

Para dimensionar a magnitude e relevância do tema, separamos algumas notícias recentes no meio jurídico sobre o tema:

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Mas, e aí? Existem maneiras de se tentar solucionar problemas como esses? Basta um simples canal de denúncias na organização para aumentar o engajamento dos denunciantes e aprimorar as investigações internas realizadas, ou existe alguma metodologia especial que possa ser aplicada a casos de assédio sexual no trabalho?

Sim, existe uma metodologia especial e que já vem demonstrando eficiência, estrategicamente falando, para fins de atendimento aos anseios de todas as partes interessadas.

Porém, antes de apresentar a metodologia especial, é fundamental que, juntos, atravessemos alguns “pedágios”, ok? Vamos a eles:

1 – Qual a diferença entre Assédio Sexual e Assédio Moral?

O assédio moral está relacionado ao que denominamos popularmente “terrorismo psicológico”, à pressão feita para desestimular o colaborador a permanecer num dado ambiente de trabalho, expondo-o a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho. Assim, para caracterização do assédio moral, é necessário que as condutas abusivas sejam reiteradas, ou seja, uma única conduta isolada não será considerada assédio moral. Ainda, cumpre esclarecer que o assédio moral pode ser cometido por qualquer trabalhador ou grupo de trabalhadores, independente do nível hierárquico que ocupam na organização.

O assédio moral é igualmente sensível e foi tema dos noticiários internacionais. Nesta semana, a apresentadora norte-americana Ellen DeGeneres demitiu três executivos após denúncias de assédio moral e racismo. Conforme consta na notícia, em uma reunião virtual com seus mais de 200 funcionários, a apresentadora pediu desculpas e, diante da apuração das diversas denúncias, prometeu um ambiente de maior diversidade aos funcionários. 

Já o assédio sexual tem uma conotação mais específica, visando estabelecer aproximação e intimidade com a vítima, sob a condição de mantê-la no emprego ou dispensá-la; promovê-la ou prejudicá-la em sua ascensão profissional. Como exemplos de atitudes consideradas assédio sexual, podemos citar:

Como exemplos de atitudes consideradas assédio sexual, podemos citar:

  • Contar piadas com carácter obsceno e sexual;
  • Mostrar ou partilhar imagens ou desenhos explicitamente sexuais;
  • Escrever cartas, notas e e-mails, ou enviar mensagens e/ou realizar chamadas telefônicas de natureza sexual;
  • Avaliar pessoas pelos seus atributos físicos;
  •  Emitir comentários sexuais sobre a forma de vestir ou de parecer;
  • Reproduzir gestos ou ruídos sonoros que sinalizem interesse sexual;
  • Ameaçar direta ou indiretamente, com o objetivo de ter relações sexuais;
  • Realizar contatos físicos forçados, como tocar, abraçar, beijar, cutucar ou encostar.

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2 – Assédio Sexual é crime?

Sim, o assédio sexual é crime quando praticado por superior hierárquico ou com ascendência inerente à relação de emprego e, diferente do assédio moral, pode se caracterizar mesmo que em um episódio isolado. Desta forma, não se exige a frequência para justificar a punição de um infrator, e isso também constitui elemento importante a diferenciar as modalidades de assédio aqui abordadas.

No Código Penal Brasileiro, temos:

“Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.

Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.

Parágrafo único. (VETADO)

2º A pena é aumentada em até um terço se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009).”

Portanto, assédio não é o mesmo que uma cantada. É assunto sério, comportando investigação e punição ao(s) responsável(is) dentro e fora das empresas, pelos aparatos institucionais competentes.

 Em um caso concreto noticiado no início de fevereiro de 2020, através de uma ação de regresso, a Justiça do Trabalho de Minas Gerais condenou um empregado de uma empresa pública a ressarcir à organização o valor pago a uma ex-estagiária em indenização por danos morais, decorrente da prática de assédio sexual no trabalho

Além disso, a doutrina e a jurisprudência trabalhista entendem que existe também a modalidade denominada assédio sexual trabalhista, que não é considerada crime. Nestas situações, o assédio sexual será caracterizado no ambiente de trabalho quando cometido por qualquer funcionário, independentemente de sua posição hierárquica no ambiente profissional.

3 – Como lidar com Assédio Sexual no trabalho?

O empregador é responsável pela prática do assédio sexual no trabalho, ainda que ele não seja o agressor.

Justamente por isso, já no início tivemos o cuidado de enfatizar que, caso não apurado e tratado internamente, exporá a empresa ao risco de ações judiciais e, consequentemente, a danos financeiros e reputacionais.

Como forma de auxiliar as empresas a monitorarem preventivamente essa prática, o Ministério Público do Trabalho publicou uma cartilha, na qual, dentre outras recomendações, indica que os empregadores:

  • Criem canais de denúncias eficazes e com regras claras de funcionamento, apuração e sanção de atos de assédio, que garantam o sigilo da identidade do denunciante;
  • Insiram o assunto em treinamentos, palestras e cursos em geral;
  • Incluam o tema na semana interna de prevenção de acidentes de trabalho;
  • Capacitem os integrantes do serviço médico, dos recursos e humanos e em cargos de chefia;
  • Estabeleçam regras de conduta a respeito do assédio sexual nas normas internas da empresa, prevendo, inclusive as punições;
  • Negociem com os sindicatos da categoria cláusulas sociais em acordos coletivos de trabalho, para prevenir o assédio sexual.

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4 – Importância de Canais de Denúncias na Empresa

O canal de denúncias é tido como um dos pilares de um Sistema de Gestão de Compliance efetivo – aliás, para saber mais a respeito, recomendamos que baixe grátis, aqui, o nosso e-book totalmente dedicado ao tema.

Um Sistema de Gestão de Compliance deve oferecer meios para que qualquer colaborador, líder, decisor, parceiro ou fornecedor possa tirar dúvidas a respeito das regras vigentes na empresa, assim como possa denunciar ocorrências ou suspeitas de seu descumprimento.

Nesse sentido, o canal de denúncias é um importante aliado no combate à diversas espécies de ilegalidades, inclusive o assédio sexual no trabalho. Para ter credibilidade, o canal de denúncias deve ter disponibilidade, prontidão e capacidade de captar e analisar todas as informações trazidas através dele.

5 – Como implementar Canais de Denúncias

Existem diversas maneiras de se formatar canais de denúncias, mas, nesta oportunidade, utilizaremos o padrão ISO, que melhor atende às exigências das leis internacionais.

A norma NBR ISO 37001, de requisitos para os Sistemas de Gestão de Compliance Antissuborno, dita, no item 8.9 – intitulado “Levantando preocupações”os seis passos fundamentais a que serem seguidos na implementação dos procedimentos de um canal de denúncias:

  1.  Encorajar e permitir denúncias, de boa-fé ou com base numa crença razoável;
  2. Requerer que a organização trate as denúncias confidencialmente, de modo a proteger a identidade do denunciante e de outras pessoas envolvidas, exceto na medida necessária ao progresso de uma investigação;
  3. Permitir denúncias anônimas;
  4. Proteger de retaliação os denunciantes de boa-fé;
  5. Permitir que o pessoal receba aconselhamento de uma pessoa adequada sobre o que fazer se confrontado com uma preocupação ou situação suspeita, que leve a crer ser perigosa;
  6. Divulgar os procedimentos amplamente, tanto aos funcionários como a terceiros, para que saibam seus direitos e proteções.

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6 – Como tornar um Canal de Denúncias seguro a reportes de Assédio Sexual no trabalho?

Formatar canais de denúncias não é, ao menos em primeira análise, tarefa das mais difíceis. Todos nós – ou quiçá, a grande maioria de nós – concordamos com isso, certo?

Muito bem. Construídos os canais e transcorrido certo tempo de suas respectivas divulgações, a pergunta que muitos nos fazem é:

“- Por que as pessoas ainda não denunciam o assédio sexual no trabalho, mesmo com canais disponíveis especialmente a essa finalidade? Por que continuamos tomando conhecimento dessa prática apenas em ações trabalhistas ou boletins de ocorrência?”

A resposta é: muitos relutam em ser a primeira pessoa a acusar alguém de assédio sexual no trabalho, porque, mesmo que viabilizada a denúncia anônima, o contexto fático pode permitir que, facilmente, se identifique quem foi o acusador, trazendo riscos de retaliação.

Além disso, o acusado, quando percebe que existe apenas uma denúncia isolada e cuja autoria é presumível, tende a articular sua própria vitimização e, ao mesmo tempo, a hostilizar o denunciante, desconstruindo sua credibilidade perante os demais colegas, líderes e decisores da organização.

Em contrapartida, quando se acumulam acusações, a tendência é que mais vítimas se encorajem a seguir o exemplo, numa espécie de efeito dominó. Lembram-se do caso do ator José Mayer, ou dos recentes escândalos envolvendo diretores de cinema internacionalmente renomados?

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Pois é. Pensando numa maneira de “startar” e concluir investigações internas sem que o primeiro acusador se sinta vulnerável, a despeito de ter narrado os acontecimentos valendo-se da prerrogativa de anonimato, os especialistas em Compliance tem trabalhado, como um dos fluxos do canal de denúncias, a metodologia denominada “escrow”, inspirada no “escrow account” (conta-caução, típica de acordos comerciais).

 À luz dessa técnica, condutas ilícitas cujas consequências possam ser gravosas ao colaborador e à organização como um todo (tal qual o assédio sexual no trabalho), podem ser regradas em política especial que determine um número mínimo de denúncias a serem recebidas como “gatilho” para, então, autorizarem-se as investigações.

O mecanismo pode ser melhor compreendido através da leitura do artigo acadêmico publicado em 2012, por Ian Ayres e Cait Unkovic, disponível no repositório da Universidade de Yale, nos EUA. Em tradução livre ao português, a sugestão dos autores é, basicamente:

“Propomos o uso de um depósito de alegações para permitir que as vítimas transmitam informações de reivindicações a um intermediário de confiança, um agente de custódia centralizado, que encaminha as informações às autoridades competentes se (e somente se) determinadas condições pré-especificadas forem atendidas.

O agente de custódia manteria as alegações de assédio confidenciais, não utilizadas e não repassadas até que o agente tenha recebido um número pré-especificado de alegações complementares de assédio relativas ao mesmo assediador acusado.

Por exemplo, se as regras do acordo especificassem o acúmulo de duas alegações adicionais como um evento desencadeador, o agente aguardaria até que o depósito tivesse recebido três alegações separadas relativas a um determinado assediador antes de encaminhar as informações às autoridades especificadas e iniciar uma reclamação.”

Quando desenhado dessa forma, o procedimento:

(I) mitiga riscos de que o acusado fique “encasquetando” com um único suspeito de denúncia, direcionando-lhe pressão vingativa e desestimulando que novas denúncias sejam feitas (sejam sobre ele ou outro assediador);

(II) aumenta a segurança da empresa no momento de desencadear as investigações internas, graças à disposição de mais elementos que permitam aferir a autoria e a materialidade da conduta reportada, permitindo que qualquer punição a ser aplicada ao acusado seja feita com satisfatório embasamento.

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É importante que se diga, desde logo, que não pretendemos sugerir essa metodologia como “receita de bolo”, afirmando servir a todo e qualquer tipo de organização.

Cada negócio tem seu porte, perfis de colaboradores e riscos específicos a serem mapeados e gerenciados. Por outro lado, nada impede que essa recomendação sirva como ponto de partida ao solucionamento do problema de lida com o assédio sexual no trabalho, sendo, caso o caso, customizado de acordo com a estratégia, estrutura e recursos da corporação.

7 – Como o assediador pode ser punido?

No âmbito administrativo, algumas das sanções possíveis para o assediador são mudar o setor ou função do agressor, alterar a jornada de trabalho ou, até mesmo, dispensa por justa causa.

É imprescindível que essas penalidades estejam suficientemente claras (escritas, divulgadas e recicladas, mediante treinamentos periódicos) a todos da empresa, indistintamente – não apenas como forma de prevenção ao assédio sexual no trabalho, mas, também, como subsídio formal à uma demissão por justa causa e, eventualmente, à uma defesa judicial em ação trabalhista.

Na política estabelecida pela organização ao trato dessa matéria, deverá constar o alerta de que o assediador, independentemente das sanções que lhe forem aplicadas em âmbito interno, não estará escape de se tornar réu em ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho ou por uma entidade sindical, na hipótese de os fatos repercutirem externamente e ensejarem mobilização das instituições responsáveis pela salvaguarda de direitos coletivos.

Desta forma, entendemos que denúncias relacionadas à assédio sexual merecem cuidado e atenção especial, não sendo exagero lembrar o assediador de que estará sujeito às punições civis e penais citadas acima, no nosso “segundo pedágio”, como detenção de até dois anos nos casos em que há chantagem.

***

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Abraços e até a próxima!

Mariana Zardo

É coordenadora e consultora em Direito do Trabalho da Studio Estratégia – Governança, Riscos e Compliance, formada em Direito pela FGG – Faculdade Guilherme Guimbala e especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Faculdade Anhanguera. Email: mzardo.adv@gmail.com

Sobre Mariana Zardo

É coordenadora e consultora em Direito do Trabalho da Studio Estratégia – Governança, Riscos e Compliance, formada em Direito pela FGG – Faculdade Guilherme Guimbala e especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Faculdade Anhanguera.

Email: mzardo.adv@gmail.com

Roberta Volpato Hanoff

Sobre Roberta Volpato Hanoff

É CEO e Fundadora da Studio Estratégia – Governança, Riscos e Compliance, graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, especialista em Direito Empresarial com ênfase em Recuperação Judicial, Falência e Administração de Crises pela FGV/Rio, CPC-A® (Anti-Corruption Compliance Certified Expert) e Auditora Líder para as Normas ISO 19600:2014 e ISO 37001:2016 (Sistemas de Gestão de Compliance e Antissuborno).

Email: roberta@studioestrategia.com.br

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