O Sr. João Rezende, desde criança, tinha o sonho de ser patrão de si mesmo, chefiar o próprio negócio.
Inteligente e determinado, fundou a “J Rezende Indústria e Comércio Ltda.”, a qual, passadas algumas décadas, havia conquistado solidez e credibilidade em seu segmento no mercado, além de uma clientela cativa e rentabilidade satisfatória.
Com o sucesso da empresa, cresciam, também, os filhos e netos do Sr. João.
Ver o amadurecimento de seus herdeiros, ano a ano, nutria no patriarca a expectativa de que, um dia, despertasse nestes a mesma paixão, orgulho e interesse pelo negócio, sucedendo-o na gestão e garantindo a perpetuidade da empresa.
Foi aí que o Sr. João decidiu transformar suas expectativas em realidade: convicto de que teria chegado a hora de formar aqueles a quem “passaria o bastão”, investiu os melhores recursos à educação dos filhos e netos, propiciando-lhes experiências acadêmicas invejáveis – inclusive em países estrangeiros.
Era impossível, em sua concepção, que desagradasse a algum dos herdeiros a ideia de assunção da chefia do negócio. Com tanto tempo e dinheiro destinados a que estudassem e frequentassem os melhores estágios profissionalizantes, bastariam poucos anos de trabalho para que “tomassem gosto pela coisa” e conduzissem a J Rezende rumo a um futuro próspero e longevo.
No entanto, alguns detalhes importantíssimos foram relegados durante todo o processo. A história do Sr. João é um reflexo fiel do que acontece com a maioria dos empresários quando se trata de sucessão e governança corporativa em empresas familiares.
Por mais bonito e adequado que pareça o sonho, há grandes chances que ele seja apenas do pai
O que o Sr. João nunca explicou aos filhos e netos foi que todo o auxílio educacional prestado, desde a infância à vida adulta, tivera um propósito específico: a realização de um projeto de vida seu, qual seja, transferir o comando da empesa aos seus familiares.
Ele simplesmente assumiu seu sonho como sendo o de todos, acreditando que, cedo ou tarde, todos concordariam e seriam felizes com a decisão a qual, individualmente, tomou pelo “bem coletivo”.
Neste caso, compartilhar do mesmo sobrenome gerou presunção de confiabilidade, tranquilizando ilusoriamente aquele que seria sucedido na gestão empresarial.
Um filho no comando do negócio pode, numa primeira e míope visão, proporcionar segurança aos genitores que decidem se afastar dos cargos executivos – ainda mais quando bem formado em escolas renomadas e habituado a ouvir sobre os negócios durante o convívio em família.
Porém, confiança e competência nem sempre são sinônimos, ainda mais quando se exige uma competência para além da técnica – qual seja, a competência para liderar.
Para o desenvolvimento de gestores e líderes não é suficiente a aposta em cursos de aperfeiçoamento. Mais do que isto, é preciso vontade e perfil.
Será que algum dos descendentes do Sr. João possui estas feições? Será que ele se preocupou, durante todos os anos de ansiosa espera pela sucessão, em identificar, dentre seus descendentes, o(s) líder(es) dos demais?
Emocionado com a miragem de uma mesa enorme, rodeada por herdeiros, o Sr. João não cedeu espaço ao desenvolvimento contínuo e planejado de novas lideranças, além de ter ignorado excelentes currículos de gestores externos disponíveis no mercado.
Aguardar a formação de um “banco de reservas” exclusivamente familiar para dar continuidade à empresa pode terminar em tragédia, ruindo todas as estruturas construídas ao custo de suor e esforços de uma vida inteira.
De mais a mais, se a intenção do patriarca é a perenidade da empresa, não podem ser desprezados talentos internos que, ao longo de suas trajetórias na J Rezende, prepararam-se para a ascensão e contam com muito mais experiência para assunção das obrigações executivas do que os parentes do sócio-fundador.
Na obra “A Sucessão como Ela é”, escrita por Emerson de Almeida (ex-presidente da Fundação Dom Cabral), pontua-se que o início do processo de sucessão produz inquietação no ambiente interno. Em suas palavras, “[…] Um dos efeitos colaterais observados é a predisposição de candidatos preteridos por abandonar a empresa.” [1]
A sucessão verticalmente imposta favorece, como um dos principais riscos, a debandada dos que esperavam por uma oportunidade de reconhecimento, seja por meio da promoção ou de um reposicionamento.
Em qualquer empresa, este risco deve ser previamente avaliado e dimensionado, porquanto um forte indicador de instabilidade e incerteza sobre o futuro do negócio.
Ademais dos efeitos negativos que a perda da referencia de liderança costuma causar sobre o quadro de funcionários (afinal, não bastasse a sensação de “luto”, típica de situações de mudança, muitos se sentem sem bússola, sem direção certa a seguir), a desmotivação acontece tal qual reação em cadeia, geralmente seguida de pedidos de demissão em massa e da necessidade de, repentina e rapidamente, localizar no mercado substitutos que supram as habilidades dos colaboradores desistentes.
Diferentemente da postura do Sr. João Rezende, aconselha-se um planejamento sucessório delineado de forma racional, estruturada e transparente, envolvendo a todos os interessados e viabilizando uma transição pacífica, equilibrada.
Conversar para bem planejar a sucessão
A iniciativa de colocar em prática um plano sucessório unilateral é fadada ao fracasso e sinaliza pouca ou, até mesmo, nenhuma intimidade do sócio-fundador com as boas práticas de governança. É, em suma, verdadeira ameaça de morte à empresa, ao invés de refletir uma preocupação genuína com sua perpetuidade.
E, aqui, cabe frisar o termo usado acima: unilateral.
No dia a dia da consultoria jurídica em empresas familiares, alguns clientes perguntam:
“– Qual o problema de um dos meus filhos ou netos ser o sucessor? Afinal, se somos uma empresa familiar, isso não seria uma evolução natural?”
Não se trata de existirem impedimentos à sucessão empresarial por um herdeiro, e isso merece ser esclarecido.
O problema jaz na tomada de decisão de maneira unilateral pelo sócio fundador, na falta de diálogo e transparência e, finalmente, na escassez de planejamento profissionalizado para toda e cada etapa da transição a se consumar.
Falar sobre sucessão durante reuniões em empresas familiares é causa de calafrios coletivos: de um lado, os sócios temem saber a verdadeira opinião dos filhos e netos, e estes, por sua vez, sofrem pelo receio de desapontarem os pais e avós ao abrirem o jogo e falarem de sonhos futuros.
No início do ano passado, a portas fechadas com o Diretor Geral de uma renomada empresa de Santa Catarina, comecei a sondá-lo sobre suas impressões acerca da sucessão que, a passos tortos, estava se desenrolando – principalmente porque os resultados financeiros negativos do último exercício me pareciam ter relação direta com a entrada dos filhos como sócios, em substituição a outros gestores decanos que, até então, “jogavam” posicionados na linha de frente.
Mexeu-se num time que estava ganhando, privilegiando-se as relações familiares em detrimento da saúde do negócio, e isto estava inquietando ao comitê de gestão e conformidade (formado por mim, pela empresa de consultoria em administração e pelo escritório de contabilidade).
A resposta que recebi foi:
“– Tratar desse assunto, pra mim, é tão desconfortável que prefiro não tratar.”
Preocupada e imbuída de um certo inconformismo ante a objetividade da resposta, insisti em erguer a “bandeira da porta aberta ao diálogo” e sugeri uma conversa franca entre ele e os filhos, que poderia ser intermediada por nós, do comitê.
Infelizmente, naquele momento, houve uma outra negativa, seguida da seguinte justificativa:
“– Se fomentarmos esse debate sobre a sucessão, meus filhos não jantarão mais lá em casa às quartas-feiras, por exemplo, e, se bobear, nem na comemoração de bodas de ouro comparecerão. Minha mulher ficará desolada e colocará toda a culpa em mim.”
Cenários como esse, em que a poeira é jogada debaixo do tapete, como uma pretensa “harmonização” de conflitos, são mais comuns do que se possa imaginar, e representam um grande desafio a advogados e consultores financeiros.
Ao invés de harmonização, no entanto, cria-se uma grande “bola-de-neve” de segredos, ressentimentos, insatisfações e frustrações.
Paralelamente à minha tentativa de abordar o assunto com o sócio fundador, os demais integrantes do comitê de gestão e conformidade faziam o outro caminho: decidiram “tatear” a escuridão dos sentimentos e planos dos herdeiros.
Perguntados a respeito das razões pelas quais não se mostravam tão empenhados em aumentar a produtividade da empresa e melhorar os resultados apresentados, apenas um deles mostrou-se consternado com os números e interessado em participar do desenho de um novo planejamento estratégico.
Dos outros 4 restantes, dois acreditavam que seria melhor procurar compradores interessados ao negócio, pois não se vislumbravam envolvidos nele por muito mais tempo.
Os outros dois, por sua vez, até não se importariam de “ajudar” na retomada do sucesso pela empresa, mas não estavam dispostos a uma dedicação por período integral. Considerando-se demasiadamente jovens, falaram com entusiasmo sobre conseguirem empregos no exterior e desbravarem o mundo, estudando e ampliando horizontes.
Num uníssono, todos afirmaram categoricamente que, caso o pai tivesse lhes perguntado, há alguns anos atrás, sobre seus ideais ou, ao menos, incentivado a comunicação a respeito do futuro, possivelmente, a empresa não estaria em declínio.
Para reprimir o desalinhamento de objetivos entre os membros da família empresaria e, até mesmo, evitar que o negócio sucumba a disputas familiares e de interesses pessoais, falar de sucessão precisa deixar de ser tabu – não apenas em prol da mantença dos relacionamentos e laços entre os parentes, mas, sobretudo, pela preservação da empresa e sua governança.
Sucessão e Governança Corporativa devem caminhar de mãos dadas
Pensar em sucessão é indicativo de que o momento de eleger uma nova liderança se aproxima, mas não só isso.
Uma vez que o alto posto da Administração da empresa sofrerá mudanças, é natural que as demais estruturas de gestão (e seus respectivos processos) sejam revistas e adaptadas, especialmente para conciliar os interesses da família e dos demais sócios sem parentesco.
Eis a importância da governança corporativa nos planejamentos sucessórios.
A governança tem como principais premissas a transparência, a prestação de contas, a promulgação de um código de conduta e um estatuto.
A regulamentação objetiva de atribuições, direitos e obrigações, cujo cumprimento seja rigorosamente oponível a todos e monitorado pelo Conselho de Administração (ou por um comitê específico a se constituir para esta finalidade), é fundamental para:
- Formalizar a composição do plano de sucessão e reestruturação;
- Deixar claro aos sócios (proprietários ou não) que deverão servir ao bem da empresa e não o contrário;
- Blindar o negócio de conflitos pessoais e disputas de poder;
- Assegurar, durante as mudanças, a proteção e o cultivo da cultura, missão, visão e valores da empresa dentre os sucessores, Diretores e médias gerências.
Em tempos de crise, com tantas empresas fechando suas portas, falar em governança corporativa é fundamental. Não é à toa, aliás, que o tema é velho conhecido aqui, nesta coluna.
A governança visa preservar e otimizar o valor econômico de longo prazo da organização, facilitando seu acesso a recursos e contribuindo para a qualidade da gestão e para a longevidade do negócio.
Demonstrando que os processos de gestão da empresa são transparentes, estrategicamente desenhados, monitorados e comprometidos com sua função social, aumenta-se a credibilidade não apenas em âmbito interno, mas, também, no externo, principalmente frente a instituições financeiras e investidores, que poderão lhe subsidiar novos projetos ou ajudar a respirar em momentos de dificuldade.
Outrossim, uma vez que o sonho de todo o sócio-fundador é a longevidade da empresa, dar uma trégua a velhos paradigmas e ceder espaço à leitura, aconselhamento e engajamento com os sistemas de governança corporativa é a decisão mais sensata que um gestor prudente e visionário pode adotar.
As empresas familiares se distinguem das demais em virtude da coexistência de três elementos: família, propriedade e gestão (empresa).
A fim de ilustrar de maneira didática a iminência de conflitos nessas esferas, foi desenvolvido em Harvard, pelos professores Kelin E. Gersick, John Davis, Marion McColom Hampton e Ivan Lansberg, o famoso “modelo dos três círculos”, dos quais se inferem as estruturas que deverão compor a governança corporativa em empresas familiares:
Não raro, essa coexistência de interesses gera conflitos de poder e relacionamento (tanto interfamiliares como aqueles entre familiares e sócios sem parentesco, ou acionistas), afetando a sobrevivência do negócio.
Observando-se atentamente os três círculos da imagem acima, facilmente se concluem os principais conflitos que os permeiam – a começar pela confusão patrimonial.
Esta é a grande dor dos consultores financeiros e jurídicos, por ser uma das principais causas de perda da bússola e derrocada dos negócios.
Quando os filhos ingressam na empresa, há muita expectativa de que consigam manter o estilo de vida de quando eram apenas sustentados pelos genitores.
Com efeito, os herdeiros geralmente crescem num nível de vida diferente da primeira geração, já usufruindo do seu crescimento patrimonial e enriquecimento.
Quando passam a fazer parte do negócio, o que mais se vê é que, a despeito de quererem manter o mesmo padrão de vida, a função que ocupam não propicia uma renda compatível.
É justamente aqui onde mora o perigo: os sócios-fundadores, no afã de motivarem seus herdeiros e não desistirem do trabalho, criam adaptações para que seus padrões de vida permaneçam os mesmos – como, por exemplo, pagando bonificações extras (as quais os colaboradores que desempenham as mesmas funções não recebem, o que acaba criando discriminação, até mesmo, riscos de ações trabalhistas); autorizando que despesas pessoais como carnês de financiamento, boletos de condomínio e faturas de cartões de crédito sejam pagas através do caixa da empresa (para que os salários dos filhos sobrem “líquidos” para o lazer), etc.
Esses são exemplos clássicos de confusão patrimonial, diagnosticada sempre que os bens e ativos são utilizados em proveito pessoal de sócios e familiares, sobrepondo-se a necessidade e expectativa da família à da empresa e demais pessoas que nela trabalham.
Para quem não sabe, é a insistência dos empresários em confundir o patrimônio da pessoa física com o da pessoa jurídica que tem motivado o Poder Judiciário a estender a sócios e administradores a responsabilidade por dívidas contraídas pela empresa, determinando a penhora de valores em conta-corrente e de outros bens particulares.
Quando essa prática é corriqueira, reclamar da “ousadia” dos advogados e Juízes que militam em favor da penhora de bens pessoais não adianta em nada. Nessas horas, é preciso lembrar que se o Poder Judiciário interpreta os bens pessoais e da sociedade como sendo uma coisa só, a culpa, na maioria das vezes, é do próprio empresário, que começou, ele mesmo, a interpretar o acervo patrimonial dessa maneira. Se ele se permite enxergar o cenário assim, por que os outros não podem fazer o mesmo?
Acresça-se que a confusão patrimonial segue a via oposta das boas práticas de governança corporativa, porquanto inviabiliza o adequado controle da gestão e contabilidade empresarial, à medida em que o fluxo de caixa é contaminado por despesas não-essenciais à consecução do objeto social.
Nas empresas cujo quadro societário é composto também por sócios que não são membros da família, a confusão patrimonial é ainda mais grave por acabar ferindo a affectio societatis.
Quando os sócios administradores não prestam contas aos demais, partindo da premissa de que são os “donos” e não devem satisfações a ninguém, estão burlando a governança corporativa em razão da falta de transparência e equidade no acesso às informações.
Portanto, devem existir regras e mecanismos de controle para ser evitada a confusão entre o patrimônio da pessoa jurídica e o dos sócios, e é necessária, sempre, a prestação de contas formal entre os sócios e destes para os acionistas, mesmo sendo a empresa familiar.
Outro conflito comum, sensível na intersecção entre os círculos da propriedade e da gestão, é a confusão entre ser herdeiro/proprietário da empresa e ter uma função de Diretor nela.
O bordão “eu sou o dono, por isso, eu mando” é outra dura realidade enfrentada pelos profissionais de governança e reestruturação no dia-a-dia.
Acredite o leitor ou não, até o mais letrado dos herdeiros pode ter dificuldade de compreender que ser dono não significa exercer poder de decisão sobre determinada contratação, demissão, despesa ou aquisição.
Para muitos, a percepção da herança como um direito que só se concretizará mediante a morte de um dos genitores e, por ora, garante apenas a participação em dividendos (quando muito), é por demais frustrante. Ao fim e ao cabo, a verdade é que todos querem tudo e desde logo.
Presunções equivocadas como essa acarretam os mandos e desmandos que maculam as relações de trabalho e entre os sócios.
Por outro lado, para evitar que ocorram as empresas precisam elaborar atos constitutivos e regimentos internos bem escritos, que antevejam hipóteses como essas deixem claros os direitos e obrigações de todos, além de monitorarem o respectivo cumprimento através do Conselho de Administração ou Comitê específico. Procedendo dessa maneira, o negócio se manterá imune a conflitos pessoais e disputas de poder.
A governança também deverá acabar com a cultura das contratações e recrutamentos para cargos levando em conta a confiança e o parentesco, ao invés da competência.
É sabido que nos primeiros anos de uma empresa (primeira geração) isso é normal. No entanto, após a maturação do negócio, a profissionalização precisa ceder espaço à emoção – mesmo em sede de planejamento sucessório, no momento de escolha do novo líder.
E na prática?
Conforme esclarecido em oportunidade anterior, não existem impedimentos à sucessão empresarial por um herdeiro.
O problema jaz na tomada de decisão de maneira unilateral pelo sócio fundador, na falta de diálogo e transparência e, finalmente, na escassez de planejamento profissionalizado para toda e cada etapa da transição a se consumar.
Fato é que projetar um futuro exitoso depende de preparação para que a condução do negócio seja transferida sempre, em cadeia sucessória, às mãos daqueles que se mostrarem as melhores opções ao desempenho dessa árdua missão. Nem sempre os melhores serão os filhos ou netos e admitir isso é uma verdade que, embora dolorosa, precisa ser aceita em prol do bem comum.
Na obra “A sucessão como ela é”, do Professor Emerson de Almeida (ex-Presidente da Fundação do Cabral), é narrada, dentre outras histórias, a sucessão do sócio-fundador do Grupo Martins, o Sr. Alair Martins[1].
Nos idos de 1990, Alair, refletindo sobre a assunção futura de seu cargo, cogitava que o eleito deveria ser seu filho Juscelino, mas não deu certo. Constatou, então, que era necessário profissionalizar a gestão executiva da organização e que ele e os três filhos deveriam ficar com o papel de controladores no Conselho de Administração e na holding familiar – uma empresa constituída para a finalidade específica de transferência dos bens da família, para ser gerida pelos membros desta e evitar a confusão com o patrimônio empresarial.
Enquanto isso, a direção de cada um dos negócios do Grupo estaria nas mãos de executivos contratados no mercado, com currículos que denotassem experiência na administração de negócios como o dele.
A sucessão seria, então, planejada entre pais e filhos através da holding, considerando-os em conjunto como sucessores e na perspectiva de compartilhamento de responsabilidades até o momento em que Alair decidisse se afastar dos negócios.
Naquela obra, o Prof. Emerson de Almeida destaca que “[…] com o objetivo de minimizar os riscos de conflito ou de um possível colapso do modelo, o projeto previa a atuação de advisors (conselheiros especiais) ligados à holding, os quais teriam a função de zelar pela segurança do processo de decisão em momentos de divergência entre os filhos.”[2]
Nota-se que essa estratégia de divisão da gestão de bens pessoais e da empresa, assim como de separação de direitos e deveres entre herdeiros-administradores (sócios, com poderes de gestão no Grupo) e herdeiros-proprietários (donos do patrimônio, mas sem prerrogativa de gerencia e decisão sobre os negócios), é resultado do desenvolvimento de práticas de governança corporativa, implantada por consultores jurídicos e financeiros contratados pelo Sr. Alair precipuamente para essa finalidade.
Pensando no modelo dos três círculos explicado acima, conclui-se que o Sr. Alair, com o auxílio de advogados e administradores, formatou um modelo que permite a união das esferas (intersecção) apenas naquilo que efetivamente diz respeito à empresa. No que se refere às áreas dos círculos que não se cruzam (a família, principalmente), foram criados mecanismos de gestão capazes de atender aos seus interesses privativos.
Os consultores contratados criaram um Conselho de Administração, presidido pelo patriarca e de composição mista – herdeiros e executivos de mercado, atuando juntos e garantindo equilíbrio e isenção nas deliberações.
Em paralelo, desenvolveram aquilo que denominamos Family Office (em tradução livre para o português, o “escritório da família”), uma estrutura para fornecer assessoria completa para ele e os filhos no tocante aos ativos transferidos para a holding familiar (por exemplo, apartamentos, veículos, casas de praia, sítios, imóveis em locação, ações em bolsa, participações em outras sociedades, investimentos em títulos, etc.) e que abrange as áreas jurídica, contábil, fiscal e de investimentos.
Para fechar o projeto com chave de ouro, o Sr. Alair foi a mercado contratar o executivo Walter Faria Jr. Para gestão da principal empresa do Grupo. Walter conta com mais de 20 anos de carreira em multinacionais como Colgate, Danone e Coca-Cola, tendo, no Grupo Martins, iniciado como Diretor de operações em 2009 e, um ano depois, se tornado Presidente Executivo.
Afastado da Presidência do conglomerado, o Prof. Almeida encerra esse capítulo do livro “A sucessão como ela é” relatando que “Alair Martins se manteve como presidente do conselho de administração do Grupo e continua dando expediente diário nos escritórios da organização. Mais do que um inspirador, ele ajuda a definir os rumos da operação e participa das principais decisões.”
A atuação conjunta de consultores em advocacia e finanças viabilizou:
- A constituição da holding familiar, com a escolha do modelo societário mais adequado ao tamanho do patrimônio a ser-lhe transferido e a cotação de todos os tributos incidentes sobre a operação;
- O alinhamento de quantos e quais seriam os consultores que acompanhariam de perto a holding como verdadeiros braços na gestão dos bens e interesses do genitor e seus herdeiros (Family Office);
- A estruturação e implantação do Conselho de Administração misto no Grupo Martins, bem como a regulamentação das atribuições desse órgão;
- A adaptação dos demais processos de gestão das empresas do Grupo a essa nova formatação de Administração, criando-se fluxos compatíveis e promulgando-se normas e procedimentos cujo cumprimento deve ser exigido de todos e devidamente monitorado.
A governança corporativa impõe, do início das etapas de transição em diante, a transparência, a prestação de contas e a promulgação das “regras do jogo” – normas que dão o tom daquilo que pode e não pode ser feito, de como deve ser feito e quais às consequências em caso de descumprimento.
Não custa lembrar que a regulamentação objetiva de atribuições, direitos e obrigações, cujo cumprimento seja rigorosamente oponível a todos e monitorado pelo Conselho de Administração (ou por um Comitê específico a se constituir para esta finalidade) é fundamental ao desenvolvimento das boas práticas de governança corporativa, sobretudo quando se planeja a sucessão em empresas familiares.
Esse modelo é pautado em reflexões sobre onde a empresa está e aonde quer chegar. Se o desejo do sócio-fundador e seus herdeiros é chegar cada vez mais longe, pensar e planejar sucessão é preciso.
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