Não é de hoje que trazemos a preocupação de que os Programas de Compliance sejam, de fato, efetivos. Já trouxemos alguns temas importantes para a prática do Compliance nas organizações, a exemplo do artigo escrito pela CEO do Studio Estratégia, Roberta Volpato Hanoff, em que abordou temas relacionados à regulação do conflito de interesses nas companhias.
Os Programas de Compliance tem como objetivo garantir a conformidade com as normas legais, visando, especialmente, a prevenção a fraudes e suborno nas organizações. Essa é a essência da ISO 37001, norma que dá as diretrizes para a implementação, manutenção e melhoria contínua dos Sistemas de Gestão Antissuborno das empresas.
De todo modo, no momento da implementação dos Sistema de Gestão Antissuborno, são identificadas as partes interessadas da empresa, que, entre tantas outras, figuram os colaboradores da companhia. Nesse sentido, criou-se o chamado “Compliance Trabalhista”, que, em uma tradução simplista, seria o cumprimento das normas e diretrizes norteadoras do Direito do Trabalho.
No que tange a esse assunto, já trouxemos aqui dois artigos, cada um contendo 10 dicas e instruções para auxiliar as empresas na avaliação de suas práticas atuais e na preparação de seus departamentos de Recursos Humanos para uma auditoria de Compliance. Os artigos em comento poderão ser acessados clicando-se aqui e aqui.
De todo modo, hoje, nosso objetivo é esclarecer de que forma as empresas podem gerenciar seus Programas de Compliance Trabalhista para que estes sejam realmente efetivos.
Uma das ferramentas que integra o Programa de Compliance, sem dúvida, é o Código de Conduta da empresa. Nesse ponto, recomendamos a leitura do artigo “Antes de pensar em Código de Conduta, avalie riscos de compliance!”, de autoria da CEO do Studio Estratégia.
Valorize os treinamentos
Após conhecer os riscos da organização e elaborar o código de conduta e as políticas de compliance, o que trará eficácia ao Programa de Compliance, serão os treinamentos contínuos, a fim que as diretrizes estabelecidas no Código e nas Políticas se tornem a cultura da companhia.
Significa dizer que não basta ter ótimas políticas e normas escritas, com linguagem elaborada e complexa, se as partes interessadas, especialmente os colaboradores, não incorporarem a essência das diretrizes estabelecidas pela empresa.
Desta forma, se a empresa não admite assédios, seja moral, sexual ou mesmo bullying, deve ensinar, através de treinamentos contínuos, quais condutas caracterizam tais práticas, a fim de evitar que estas ocorram. Claro que os canais de denúncia são imprescindíveis para identificar e combater tais práticas, mas, em se tratando de compliance sob o ponto de vista trabalhista, o ideal é que estas sequer ocorram e não apenas sejam punidas após identificadas.
Atenção para atividades insalubres e periculosas
O mesmo deve ocorrer no que se refere à segurança e saúde do trabalhador. Não basta cumprir a legislação e as normas regulamentadoras (as famosas NR’s), é necessário implementar a cultura da importância do trabalho seguro nos colaboradores. Nesse ponto, entendemos que se uma atividade é insalubre ou periculosa, sob o viés da melhoria contínua, o ideal é que a empresa busque mecanismos de aprimorar o desenvolvimento da atividade para que, sendo possível, sejam atenuados ou até eliminados os fatores de risco para a saúde do trabalhador.
Questione-se: é possível tornar uma atividade insalubre em salubre?
Em alguns casos não será possível, face às características da própria atividade. Entretanto, certamente existem situações em que, com a melhoria do processo interno e da forma de desenvolvimento da atividade, será possível modificar e até neutralizar os fatores de risco à saúde do trabalhador.
Excesso de jornada e acidentes de trabalho
Outro aspecto que tem conexão direta com a saúde e segurança do trabalhador é a quantidade de horas trabalhadas. Isto porque, estar em compliance não é apenas ter um banco de horas corretamente regulamentado e eficaz, assim como não é tão somente efetuar o pagamento das horas extras devidas.
Estar em compliance trabalhista no que diz respeito à jornada de trabalho é monitorar as razões que geram as horas extraordinárias, entender que jornadas extenuantes são prejudiciais à saúde física e mental do trabalhador. Assim, se um funcionário ou um grupo de funcionários realizar horas extraordinárias regularmente, não basta que essas horas sejam remuneradas corretamente, é necessário identificar a origem da necessidade da demanda extraordinária contínua.
Muitas vezes nos deparamos com situações em que a empresa acredita que é mais barato pagar as horas extraordinárias do que contratar mais colaboradores para a execução das tarefas. Ledo engano.
Pesquisas mostram que após determinado tempo de trabalho não há a mesma produtividade, bem como que o cansaço é um dos fatores que mais contribui para a ocorrência de acidentes de trabalho.
Confira abaixo duas publicações científicas comprovando a correlação de excesso de jornada com acidentes de trabalho:
- Jornada de trabalho e acidente de trabalho : reflexões em torno da prestação de horas extraordinárias como causa de adoecimento no trabalho
- A Sobrejornada e os acidentes de trabalho.
Portanto, se prezar pela saúde e segurança do trabalho faz parte das diretrizes da empresa, não basta entregar os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), é necessário também fiscalizar seu uso e treinar os funcionários, posto que estas são obrigações legais da empresa. Portanto, é preciso estar atento às condições peculiares de cada área da companhia, monitorando a cadeia produtiva para fins de aprimoramento contínuo da atividade empresarial.
Treinamentos e melhoria contínua fortalecem a cultura da empresa
O mesmo raciocínio deve ser aplicado à Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD, às leis antissuborno e anticorrupção, e demais normas de forma geral. Ou seja, não basta seguir a legislação e ter normas internas escritas bem elaboradas, se estas não fazem parte da cultura da empresa e dos colaboradores.
Assim, é imprescindível que haja um cronograma com previsões de treinamentos contínuos para que a cultura ética da empresa seja disseminada aos colaboradores, bem como que sejam mantidas evidências relacionadas a estes para fins de auditoria e, também, para defesas em procedimentos investigatórios ou em ações judiciais, caso necessário.
Vale lembrar que o Compliance é uma ferramenta que tem como base a ética nas organizações. Assim sendo, as normas e práticas internas devem ser congruentes com as diretrizes e valores da empresa, respeitando não apenas a legislação, mas buscando aprimorar a cadeia produtiva em todas as suas nuances, inclusive no que se refere ao Direito do Trabalho.
Para que se possa compreender melhor a extensão do papel do Compliance nas organizações, recomendamos a leitura do artigo “O Compliance e os Objetivos do Milênio: a ética como pressuposto de concretização da Agenda 20-30”.
Com isso, percebe-se que um Programa de Compliance Trabalhista efetivo vai além do estrito cumprimento de normas e leis. É preciso integrar a cultura em toda a estrutura organizacional, como um padrão de melhoria contínua, visando modificar modelos não mais aceitos na sociedade atual, sob o ponto de vista ético e moral.
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